Direito, narrativa e imaginário social
A representação do feminino e a legitimação da violência contra a mulher
Resumo
Este trabalho, que se insere no campo dos estudos em direito e literatura, tem como objetivo investigar em que medida a representação do feminino nas narrativas produzidas pela coletividade e instituídas em seu imaginário social podem legitimar a violência contra a mulher e, como consequência, colaborar para a ineficácia da aplicação da lei penal vigente no ordenamento brasileiro. Parte-se dos pressupostos oferecidos pelo campo do Direito e Literatura para examinar questões teóricas atinentes à representação do feminino e ao imaginário social. Na sequência, é apresentado o estudo de um caso que foi realizado: são analisadas as diferentes versões da história de Leocádia – narrativa mítico-fundacional da cidade de Guanambi –; discutidos os dados obtidos no levantamento do número de homicídios cometidos no município em 2014 e dos júris, a eles correspondentes, que já ocorreram; e, por fim, com base em tais dados, avaliada a eficácia do direito na proteção à mulher. Tal percurso permite concluir que a inefetividade da aplicação da lei penal na proteção à mulher vincula-se à ausência de prestação jurisdicional e à violência justificada pela culpabilização da vítima, resultando na impunidade do agressor.
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